segunda-feira, 15 de junho de 2015

Cais

Dorme a casa inteira e eu acendo. Sou irremediável, não tem cura essa urgência do silêncio. Por dentro minha alma grita. Por fora, nada além do sopro do vento. Sei o destino, não sei o caminho. Sei das flores e das pedras. 

Agora a cidade dorme.

Os notívagos penetram a madrugada como amantes. O corpo é movimento que desconhece pudor. Sei que preciso dormir, mas o mistério me seduz. Tem a lua, com quem compactuo silêncio. Vê todo o movimento calada. Se perguntam, não diz. Ali está, atenta.

Todos dormem, eu escrevo. A noite não tem regras. Não lhe pede pudor. Não te amarra. Não tem presas, não tem pressas, não tem idade. As barreiras são cortinas de apartamentos que o vento faz dançar e penetra a intimidade. Não tem a lança opressora dos olhares. A voz que existe é a do canto e só ele pode interromper meu silêncio.

À noite eu tenho medo, respirar de vida.

A noite é a língua no corpo. É o porto onde ninguém chega. O cais de onde ninguém parte.

A noite é a minha arte. O coração que bate, vivo.

A noite é o meu castigo.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Segunda poesia calada

@aandradevitor


O silêncio é esse abismo
Tortura das horas
Prato cheio do efeito sombrio do tempo.

Não oro enquanto escrevo
A poesia por si só é o divino
O canal direto com Deus 
Que não nos fala pela voz
Mas também não silencia.

Escrevi textos que são como rios
Fluxos sanguíneos que deságuam em mares diversos
Desafiam leis, morais, costumes.

O que não falo é o estrume,
O avesso da liberdade,
O anti-ser que aprendi a ignorar.

Mas o que escrevo são ruelas de mim
Que descaminham solitárias nos becos da sorte.

Poesia Calada


@aandradevitor


Eu te amo pelo que calas
Pelo desenho que se forma em teu silêncio
Pelo emudecer dos teus olhos.
E é melhor te amar assim:
Sob a luz da contemplação
Que torna tudo infinito e mistério.
Eu te amo mais,
Pelo orgasmo silencioso,
Pelo silêncio viril,
Pelo não pensamento do momento
Em que nossas coxas se trepam,
No rubor suado de ser um só.

Eu te amo sem janelas,
Sem portas,
Mundo inteiro do lado de dentro,
Vida inteira desenhada no passar das horas.

Duo


@aandradevitor

Não atento 
Contra o fogo
Que disparo
Nem atendo 
O teu chamado.
O ultimo por do sol
Não veio
Não veio o beijo
Paramos no meio.

Não atinjo
O que teu corpo 
Oferece
O meu senso obedece
O limite do não ser.

Não tem fim
Não é fim
Não pra mim
Pra você?

Fiz da valsa
Um samba
Não tem dança
Não é duo.


Mini-mistério

@aandradevitor


tarde de sábado, 
incensos no quarto, 
mini-mistérios:
eu precisei ficar só
para entender que ficar só
também era uma boa opção.

Avesso

@aandradevitor


Comprei flores
Acendi incensos
Ouvi Gal
Fiz poesias sem rima
Rasas
Carentes de razão.
A poesia é uma vertigem
Ilusão de movimento
Um arrancar de dentro
Cuspido em papéis.
É um vômito tonto
Pro bem e pro mal.
A minha poesia
É o avesso do Carnaval.

Noturno

aandradevitor

A cidade ainda dorme no breu do quase amanhecer
Uns repousam de orgasmos noturnos
Outros das lágrimas
Tudo é silencio
E essa não é uma poesia diurna.

As putas e os notívagos 
Retornam aos seus lares
Deuses inconscientes habitam os sonhos
Uns traçam seus destinos
Outros seguem suas intuições
E a cidade é tão bonita nessa hora
Quando o movimento do fim e do começo se atravessam
E o silêncio é um convite tentador
Ao risco de tentar ser o novo, de novo
E há algo no íntimo que não se contenta e pede mais
E grita silenciosamente
E a cidade me entende
E me grita de volta.
Conversas mudas
Que florescem nas horas.

“You don't know me
Bet you'll never get to know me”